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Cheguei ontem a casa, já era noite, e deitei-me cedo. Quando me levantei e abri a portada, um manto pesado de geada sobre o quintal gelou-me da cabeça aos pés. Consegui aquecer depois. Entretanto, quando procurava uma fotografia que devo ter arrumado na pasta errada, encontrei as fotografias que tirei em Córdova e que já editei há bastante tempo. Vinha delas o mesmo calor dos 45 graus de agosto e a mesma cor intensa. Vi-as novamente, uma a uma, lembrando cada gesto. Talvez por entre a geada, derretida pelo sol frio de dezembro, esta memória não faça sentido. Ou, sim, fará mais sentido ainda, avisando-me que o verão não é eterno, e que o seu número se esgota inexoravelmente em cada ano que passa.
Parei de escrever. Neste momento tudo me parece distante, irrecuperável, e impossível aquele calor de Córdova num improvável mês de agosto.
Que cidade tão preciosa, onde se mistura duas espiritualidades tão diferentes, por um lado procura-se a perfeição de Deus pela imagem perfeita e por, por outro, se reconhece o mistério inabarcábel que não pode ser plasmado nas imagens. Desse Deus supremo só é possível titubear algumas palavras, recorrendo ao recurso tão precioso que é a analogia.
Cristãos e muçulmanos numa síntese tão bela e armónica, que nos faz perguntar por essa grande utopia: o diálogo, pacífico, inter-religioso.
Sim. Córdova é assim… e luz, muita luz.