Tinha o céu da minha alma as sete cores, valia-me este mundo um paraíso, destilava-me a alma um doce riso, debaixo de meus pés brotavam flores!
(João de Deus, “A Vida”)
No dia 26 de fevereiro vou falar sobre João de Deus, a “alma de sete cores”, numa das salas do Museu Nacional Grão Vasco, a pedido da Elisabete Aguiar, responsável pelas aulas de Literatura da Universidade Sénior. Um pedido da minha professora de Português era irrecusável.
O último poema de que vamos falar, eu e as alunas, é “A Vida”. A primeira vez que o li fiquei comovida ao encontrar as imagens do meu imaginário barroco. Quando João de Deus aprofunda um tema, recupera uma linguagem e uma forma mais antigas, com mais estatuto. As duas estrofes que me interessam são as seguintes (tirei os versos, sempre gostei mais de prosa e a leitura fica mais natural…):
A vida é o dia de hoje, a vida é ai que mal soa, a vida é sombra que foge, a vida é nuvem que voa. A vida é sonho tão leve que se desfaz como a neve e como o fumo se esvai. A vida dura um momento, mais leve que o pensamento, a vida leva-a o vento, a vida é folha que cai!
A vida é flor na corrente, a vida é sopro suave, a vida é estrela cadente, voa mais leve que a ave: nuvem que o vento nos ares, onda que o vento nos mares, uma após outra lançou, a vida – pena caída da asa de ave ferida – de vale em vale impelida, a vida o vento a levou!
E lá me volta o Nuno Marques Pereira e o seu Compêndio Narrativo do Peregrino da América:
“Oh caduca belleza! Oh falsa vaidade! Como te considero tão depressa arruinada! De que te serviu a vida estribada em um engano com alentos de uma respiração, se havias de morrer de um suspiro? Ah infeliz! Quem te dissera, ha menos de uma hora, que toda esta locução se havia de ver em um silencio triste! E que todo este garbo e bizarria tão depressa havia de desapparecer como uma exhalação, que corre; uma setta veloz; uma ave, que vôa; um peregrino, que passa; uma náu, que navega; uma ampolla de agua; uma nuvem, que se desfaz; uma flor, que cahe, e um vento, que desapparece!
Isto mesmo considero hoje em ti, ó desgraçada. De que te serviu aquella bem vista formosura e portentosa belleza, quando apenas parecias um assombro de perfeições, para seres agora considerada um estrago da vida e um horror da morte?
Glorias, que hão de ser de tão pouca dura, para que é possuí-las? Felicidades tão momentaneas, para que é estimá-las? Formosura, que tão depressa se affeia, para que é idolatrá-la? Vida, que tão brevemente se acaba, porque que é prezá-la? Finalmente: para que é fazer tanto apreço e estimação de uma exhalação, que desapparece; de uma setta, que rompe o ar; de uma ave, que vôa; de um peregrino, que não tem jazigo; de uma náu, que vai navegando; de uma nuvem, que se desfaz; de uma ampolla de água, que se desmancha; de uma flor, que murcha, e de um vento, que não aparece?” (I-284-285)
Nunca tenho como fugir.
Lamentavelmente, não terei o prazer de a ouvir na, também minha, cidade.
Para quando mais maravilhosas fotos?
Votos de uma excelente comunicação.
Obrigada! Haverá mais fotografias, sim, mas no meio de tanto trabalho… e todo ele com fotografias… abraço!