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Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
Ai Deus, e u é?
Ai, flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
Ai Deus, e u é?
D. Dinis, Cancioneiro da Biblioteca Nacional, 568
Ana, se fizesse um esforço podia lembrar-me do ano e até do mês em que escreveste este texto. Mas lembro-me claramente da cadeira em que estavas sentada e da luz que batia no caderno. E lembro-me de o teres sussurrado ao teu colega do lado numa aula de metodologia. Eu estava logo a seguir e ouvi. A tua voz tinha a desesperança arrastada do balançar doentio desse barco perdido no alto mar. Falei depois contigo. Lembrei-te um símile homérico e Fernando Pessoa, mas depois ficámos definitivamente nas cantigas de amigo. Hoje fizeste-me sorrir quando me respondeste ao meu “que foi?” da forma mais enigmática possível: “encalhou, naufragou”. E recomendaste o Dies irae para banda sonora. Sempre trágica a minha amiga. Mas substituí Fauré por Mozart. Só hoje.
Apodrece o meu barco nas ondas do alto mar
Perdi o rumo do meu barco
nas ondas do alto-mar.
Se tivesse encalhado na areia
batido nos rochedos, talvez…
Mas ficou parado, sereno
sobre as ondas, sem navegar.
Se tivesse afundado num instante
queimado pelo fogo, de vez…
Mas ondula, balouça, quieto
Pousando nas águas, devagar.
Que o destruíssem os ventos,
o castigassem os deuses,
Mas que vivesse, lutasse
soltando as velas,
rompendo o ar.
Que pena…
Apodrece, apodrece o meu barco
nas ondas do alto-mar.
Ana de Santa Cruz
© Sara Augusto, 2014, Zahara de los Atunes
Belíssimo e sussurrado mais intenso esse poema da Ana Santa Cruz.