«Em 1740, a Congregação do Oratório conhecia um novo impulso em Viseu, com a eleição de D. Júlio Francisco de Oliveira, o primeiro bispo oratoriano português, a quem Matias de Andrade dedica a Guerra Interior. Conhecedor da vivência urbana e de uma corte marcada pela ostentação, com fortes ligações ao poder real e aos círculos artísticos com influência italiana, homem de grande cultura e virtude religiosa, D. Júlio Francisco, natural de Lisboa, foi sagrado bispo pelo Cardeal Patriarca D. Tomás de Almeida, a 5 de Março de 1741, depois de confirmada a sua nomeação por Bento XIV, a 2 de Janeiro de 1741. Só no início de 1743 obteve licença régia para deixar a corte e seguir para Viseu, durando o seu bispado até Dezembro de 1765 , abdicando da proximidade do círculo intelectual dos eruditos académicos de Lisboa. Para além de congregado do Oratório, foi qualificador do Santo Ofício e examinador das ordens militares, professor de Teologia na sua Congregação e académico de número da Academia Real de História (em 22 de Fevereiro de 1736). A entrada pública e solene em Viseu aconteceu a 25 de Março de 1743, com um faustoso e concorrido cortejo e demorado Te Deum na Sé, antecedendo em poucos meses a data da Dedicatória do manuscrito de Matias de Andrade, datada de 2 de Maio (Aragão, 1928).
Tendo já uma das suas obras publicadas, com o patrocínio de um prelado, D. João de Sousa Carvalho, Bispo de Miranda entre 1716 e 1737, o Viva Jesus Filho Instruído, de 1731, é possível que Matias de Andrade procurasse também no Bispo de Viseu o mesmo apoio para a impressão da Guerra Interior. A dedicatória apresenta uma captatio benevolentiae bem estruturada, sem estar demasiado sobrecarregada de encómios às virtudes de D. Júlio Francisco. Assim, sendo que um autor escolhe um mecenas que seja “pessoa grande, autorizada e eminente”, é porque procura nele “escudo e defensa” ao mesmo tempo, pretendendo simultaneamente prestar tributo. Às duas premissas corresponderia o prelado de Viseu, sobretudo por ser “a matéria muito própria do génio e inclinação”, praticamente um outro Júlio César, vencedor de “guerras, batalhas e conquistas”, mas num “emprego mais louvável e meritório”, o da guerra interior, capaz de conseguir a mais “perfeita ordem e harmonia na república da alma” que o conduziu à dignidade episcopal:
Campeou mais esta vitória dipois que Vossa Excelência Reverendíssima foi assunto à dignidade Episcopal, porque sabemos todos se tem portado nela com modéstia tão rara, com humildade tão profunda, e com pobreza tão evangélica, que tem sido assunto não só da edificação, senão da admiração de todo o mundo, dando Vossa Excelência Reverendíssima a todo ele um testemunho muito autêntico de que no seu sublime espírito, qual outro cume do monte Olimpo, não podem fazer impressão ou mudança os acidentes das glórias e grandezas humanas porque, superior a todas elas, goza no mais elevado da sua grande alma ũa paz sereníssima e imperturbável, que tem felizmente conseguido com a guerra que se tem feito a si mesmo. Sendo pois esta ũa verdade tão notória, como me não persuadirei que será grata a Vossa Excelência Reverendíssima esta obra, sendo a sua matéria a guerra interior? (“Dedicatória”, Guerra Interior)

Em: Sara Augusto. «Para a ‘perfeita ordem e harmonia na república da alma’. A Guerra Interior, de Matias de Andrade (1743)». In A Guerra Interior de Matias de Andrade (1743). Viseu, Quartzo / CLP: 15-18.
Conferir: Aragão, Maximiano (1928). Viseu (Província da Beira). Subsídios para a sua história desde fins do século XV. Porto: 201-247.
Uma opinião sobre “Qual outro cume do monte Olimpo (1740-1765)”