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As ordens que levava não cumpri
E assim contando tudo quanto vi
Não sei se tudo errei ou descobri.
Sophia de Mello Breyner Andresen, Deriva VIII.
Sentei-me na última fila. A sala despida, na penumbra. Apenas um armário junto da parede e no canto esquerdo uma cadeira de encosto. A luz da janela batia sobre o tampo da mesa. Parecia que a sala esperava. A mesa iluminada também esperava, escolhida a luz certa, preparado o cenário. E ficámos assim muito tempo, à espera que se cumprisse a luz anunciada pelo rigor das linhas e pelo fulgor das sombras.
Pensei colocar uma maçã verde em cima da mesa, um vaso de barro, um cravo vermelho, um novelo de lã, um carrinho de linha azul… mas não me consegui levantar. Não consegui quebrar a penumbra que envolvia a luz nem tecer qualquer movimento. E a mesa continuou límpida. Mas dentro de mim já havia imagens de cor, o azul do mar e o vermelho do sangue. Tomavam forma na limpidez da luz.