Perguntei-lhe pelo cavalo branco, ele disse não ter nenhum. E a roupa de príncipe? Também não tenho. E o nome de príncipe? Também não. Tem um buquê de flores então? Tampouco o tenho. Mas isso é fácil de resolver, espera um bocadinho. Quando voltou, trazia escondido atrás do corpo um buquê de flores do campo, de cores variadas, de cheiro bom. Com as duas mãos para trás, pediu-me: escolhe uma. A esquerda, arrisquei. Esticando a direita, ele disse: toma, é para ti. Eram lindas, as flores. Eu sorri: sorri muito, sorri de verdade, como nunca antes. Ele me olhou nos olhos e os senti novamente prestes a arder. Quando ele me olhava era como se o seu olhar me atravessasse os olhos, descesse a garganta e chegasse ao lado esquerdo do peito, no exato lugar onde fica o coração. Então o meu coração disparava e era como se ele quisesse fazer o caminho inverso, atravessar a garganta, sair pelos olhos, chegar aos seus olhos, atravessar a sua garganta e se instalar ao lado esquerdo do seu peito, no exato lugar onde fica o seu coração. São lindas, eu disse, mesmo lindas. Ele pegou o buquê e o repousou cuidadosamente no chão, ao nosso lado. Então nos beijamos: um beijo terno, doce, carinhoso, apaixonado. E depois tivemos de ir embora, de mãos dadas, eu e ele, sabendo que não éramos eternos, que não éramos príncipe e princesa, mas que nossos lábios se entendiam, que as nossas bocas finas levemente coladas uma a outra eram feito a eternidade, eram feito amor de príncipe e princesa, eram talvez o amor.
Tatiana Salem Levy, A chave de casa, Lisboa, Cotovia, 2007, pp. 199-200.
A chave de casa foi o primeiro romance de Tatiana Salem Levy, um romance difícil de ler sobretudo pela alternância de registos tão díspares. Este é um dos fragmentos mais doces, a marcar o final do enredo e a romper definitivamente a cadeia de auto-punição, substituindo dores herdadas e mitos pesados de príncipes desencantados por uma afirmação da própria identidade e por um sentimento mais leve, e plausível, porque menos obsessivo.
«Eram lindas, as flores», flores do campo. Talvez também esta flor estivesse no mesmo ramo, colhida e aberta em tempos diferentes. Abriu e desabrochou ao sol. Eu esperei. Vou esperar sempre pela beleza, pela doçura, que encontra o caminho para o «lado esquerdo do meu peito, no exato lugar onde fica o meu coração».
Gostei! deixo uma flor para ti!
Obrigada, Amílcar! Abraço 🙂
O texto é belo! A sequência das fotos é extraordinária! Tu és uma pessoa linda, que se exprime com uma leveza emocionante e nunca me canso de ver, ouvir e ler! Um beijinho!